01 dezembro 2015

O Falso Inimigo

As redes sociais se especializaram em criar o "falso inimigo". O falso inimigo é o camarada que quer a volta da ditadura militar, é a velhinha de Higienópolis que não quer a chegada do metro, é finalmente, e exemplo máximo, o camarada que quer o "fim dos privilégios para os deficientes". É o camarada que usa a liberdade de expressão para falar muito mal de outros grupos.
A verdade é que esse inimigo não é importante, é caricato, existe em números mínimos (quando existe mesmo, como vimos no caso dos direitos dos deficientes, um péssimo "anti-viral" de quem é a favor dos direitos e não contra), em suma, não tem qualquer representatividade. É uma minoria, que não dá 9% da população... e normalmente não passa dos 1%. Ele merecia viver no limbo do esquecimento e pronto.
Mas...
O falso inimigo é muito conveniente... ele é conveniente para que você possa expressar a sua humanidade e a sua indignação, onde não há praticamente controvérsia. Todo mundo compartilha feliz que não quer a ditadura (seja a bolivariana, seja a militar), vai no churrasco de gente diferenciada, fala mal dos sem noção que querem o fim dos privilégios dos deficientes, reclama dos carrocratas e da cegueira de quem não é a favor do corredor de ônibus. Participar de uma bandeira de verdade, se mexer por uma causa de verdade, dá muito mais trabalho do que protestar sobre o fim da humanidade porque tem um camarada que pede a ditadura neonazista cortando o cabelo e tatuando uma suástica.



Isso é claro, tem um problema. Acaba-se dando voz para essa minoria estúpida. Milhares de pessoas compartilhando essa indignação, acabam fazendo movimentos risíveis ganharem legitimidade. Mas esse para mim, não é o problema principal... o problema principal associa-se a deslegitimação do debate pela postura dos extremos. O falso inimigo também é MUITO conveniente para o grupo que defende o extremo oposto daquela posição. Nada ajuda mais a causa dos que querem instalar uma ditadura de esquerda, do que uma filmagem de uma milícia de direita se preparando para a batalha. Ou você está conosco, ou contra nós.

De repente cidadão que estava lá protestando contra a Dilma (que praticamente só tem reprovação) é igualado ao camarada que acha que a tortura não existiu. De repente você que acha que o estado mínimo não é legal, é igualado aos três sem noção que querem uma ditadura bolivariana no Brasil. De repente, o pedreiro protestante pentecostal que vai a igreja em busca de comunidade e comunhão, é igualado ao pentecostal que fica pregando que os gays vão pro inferno. De repente, todos os muçulmanos são igualados à meia dúzia de terroristas. E isso é péssimo. É péssimo porque a maior parte das pessoas age fazendo parte de um grupo, com ideais de um grupo, identificando-se com esse grupo, e construindo sua vida, na lógica desse grupo. Já está mais do que demonstrado que uma parcela grande das pessoas age estupidamente, se o grupo ao qual pertence assim o fizer. E se for profundamente divulgado que o meu grupo tem uma ideia imbecil, corro o risco de acabar aceitando isso.
Imaginemos um crente hipotético da religião A.
Ele pode achar que sendo um fiel da igreja A, tem que ter as posturas dos outros fieis da igreja... a igreja prega o amor e o respeito ao próximo (todas pregam), mas na internet o que aparece não é isso, aparece que a igreja desrespeita as outras e é contrária a adoção de crianças por gays. Isso é o que reverbera e é divulgado. Esse cidadão terá agora que ser forte, para não adotar uma postura sobre a qual nunca refletiu. É a Ignorância Pluralística em ação. Na missa de domingo, o pastor/ministro/sacerdote, poderá ainda reforçar isso, pois viu nas redes sociais, que esse tipo de questão "dá ibope".

E o triste fato é que depois que a pessoa "assumiu" uma posição, fica muito mais complicado de debater com ela. Depois que o camarada concluiu que os casais homo afetivos não devem poder adotar crianças, a conscientização fica muito mais complicada. Se as pessoas pensassem "isentas" sobre temas como esse, onde a única controvérsia é o preconceito. Seria muito mais simples de formarem posições pensadas e não de anuência ao grupo.

Assim, faço esse texto como um pedido simples. Ao ver uma posição completamente absurda nas redes sociais, segure seu ímpeto de compartilhá-la, você pode estar reforçando a causa, ao invés de enfraquecê-la.      
     

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