22 fevereiro 2022

Qual a idade certa para alfabetizar a criança? - Texto para a Schooladvisor


A maior parte dos pais, e até dos educadores, ignora a complexidade do processo de alfabetização. Ele é um processo longo e as respostas simples, em geral são enganadoras. Uma resposta simples? A alfabetização deve ser iniciada aos 6 anos e estar completa até os 8 anos. Há literatura mostrando que o resultado acadêmico “médio” piora quando as crianças não estão alfabetizadas até os 8 anos. Isso provavelmente se relaciona com o fato que a maior parte da experiência acadêmica será intermediada pela leitura a partir dessa idade. Parece fácil entender que crianças alfabetizadas e letradas (o letramento é o domínio da linguagem escrita aplicada na sociedade) terão melhor desempenho acadêmico dos nove anos em diante, do que crianças que até essa idade, não são capazes de entender uma receita de bolo ou um artigo simples do livro escolar.
 
Por outro lado, não há evidências de que começar antes dos 6 anos traga alguma vantagem. Há inclusive suspeitas que pressionar uma criança que ainda não está pronta para a alfabetização, pode gerar um desempenho acadêmico ruim inclusive no longo prazo. Quando visitei escolas em Londres, tomei conhecimento desse debate. Lilian Katz, pesquisadora americana, sugeriu que o fato que meninos na média terem um desempenho acadêmico pior que as meninas, está relacionado com uma menor habilidade manual motora aos 5 anos, e quanto mais pressão uma sociedade faz sobre as crianças para ler e escrever cedo, enquanto ainda não tem maturidade para isso, maior o risco desta criança passar a se enxergar como inepta para a escola. Na “média” os meninos acabariam sendo vítimas mais frequentes dessa imaturidade e inclusive, vendo como uma “característica típica de menina” ter sucesso na escola. A discussão é complexa, porque passa também pela forma como a sociedade e os professores diferem no tratamento dos gêneros na escola.
 
Existe um processo de maturação neurológico nas crianças, e ele não ocorre simultaneamente e de maneira idêntica em todas as crianças. Ainda assim, vamos insistir que ANTES NÃO É MELHOR, sendo profundamente individual o DESPERTAR dos mecanismos necessários à leitura. A alfabetização é um processo que começa pela capacidade fonológica de discernir os sons e esse processo se inicia muito antes de qualquer tentativa sistematizada de alfabetizar. Bebês começam a formar as sinapses envolvidas na percepção dos fonemas ANTES DO NASCIMENTO. Assim, a “alfabetização” não se limita ao processo formal apresentado pela escola. Ao afirmar que a alfabetização escolar deve se iniciar aos seis anos, o que na verdade estamos dizendo é que AOS SEIS ANOS, A IMENSA MAIORIA DAS CRIANÇAS ESTARÁ “NEUROLOGICAMENTE MADURA” para iniciar o processo de alfabetização. São capazes, do ponto de vista motor e cognitivo, de ler e escrever. Esse é um longo caminho, até os adultos tem a capacidade de aprender novas regras gramaticais. Quem sabe o que é “vc” ou “blz”, entende o que estou dizendo.
 
Para entender mais um elemento dessa história, vamos considerar que as crianças orientais, para aprender a imensa quantidade de ideogramas e logogramas que compõe esse tipo de escrita, começam os quatro anos, a ter contato com esses símbolos. Isso é claro não quer dizer que elas estejam alfabetizadas. Também no Brasil, muitas escolas e famílias começam a introduzir os símbolos das letras e números aos quatro, cinco anos. A criança descobre a letra “A” ou a letra “D” que compõe seu nome, mas essa pequena peça, é apenas isso, uma pista no longo processo. Uma criança pode facilmente aprender a ler pronunciando “raiz de 9”, mas certamente, isso não implica que entenda o que o símbolo significa.
 
Finalmente, um terceiro componente do processo de alfabetização, é evidenciado atualmente nas escolas bilíngues. Ler é o processo de traduzir símbolos escritos em fonemas, pronunciá-los em sequência e compreender que esse procedimento gera palavras, iguais aquelas que usamos ao falar. Ao unir essas palavras, temos significado. Ao longo do tempo, o cérebro se tornará preparado para realizar essa tarefa envolvendo outras áreas, como a memória visual, e assim, será capaz de autocompletar palavras ou perceber erros de grafia. Como apontado pelo neurocientista Stanislas Dehaene, a mágica dessa compreensão ocorre apenas uma vez. Uma criança alfabetizada em português, não precisa vivenciar todo o processo de alfabetização em inglês (apesar da diferença de fonemas e significados). Na verdade, após dominar o processo em uma língua, poderá usar a ferramenta para melhor aprender a outra.
 
Tendo considerado tudo isso, como ficamos? A resposta simples continua. Aquela alfabetização sistemática da escola, para todas as crianças, começa aos seis anos. Só isso? Não. As famílias podem auxiliar nesse processo de muitas formas. Desde muito cedo, conversando com as crianças, usando palavras claras e mostrando o rosto ao falar. Exatamente por isso, as telas não são bons substitutos e apesar da hipnose que despertam em crianças pequenas, já se sabe que mais atrapalham do que ajudam. Pior ainda que os pais atualmente tendem a ficar na tela e conversar menos com os filhos. Após uma pandemia e ainda com a maior parte das bocas cobertas por máscaras, é essencial ficar atento aos possíveis problemas de fala que podem estar ocorrendo com as crianças e buscar um profissional se necessário. Uma criança que não tem consciência fonológica, e confunde o p com o b ao falar, poderá também ter trocas na hora de escrever.
 
Além disso, ensinar as crianças que símbolos existem e tem significados pode ajudar, mas cuidado com a pressão desnecessária. Ler livros é uma excelente ferramenta, pois além de ampliar vocabulário, cria uma relação de prazer com a leitura e evidencia que há um mundo maravilhoso por trás dos rabiscos. Finalmente, ter consciência desses processos e de alguns riscos que existem em forçar a leitura precoce, deveria libertar as famílias da pressão para que os filhos estejam entre os primeiros a ler ou escrever. Entendo que sejamos apaixonados por nossos filhos e assim naturalmente os comparemos com outras crianças esperando destaque do pequeno em todas as áreas. Felizmente cada criança é única, tem tempos diferentes, vidas, sonhos e potenciais diferentes. Respeitá-las é permitir que cada uma explore esses aspectos, em seu tempo.
 

 
Artigo enviado por Carlos Lavieri da Peak School by Colégio Itatiaia