24 setembro 2013

Punição e Recompensa - O cantinho do Castigo.

Faz uns meses Rosely Sayão andou falando que as mães que lhe escreviam pedindo ajuda para resolver o que fazer com os filhos nas férias eram umas insensíveis que não queriam participar da educação dos filhos, ignorando completamente que as mães em geral tem um mês de férias (em data decidida pelo patrão), enquanto as crianças tem até três... de doer. Aquilo me incomodou tanto, que dê lá para cá tenho acompanhado com atenção seus textos.


Ao respeito que tenho por quem insiste em falar de educação num pais em que isso é tão pouco valorizado, à admiração por quem faz anos desenvolve um importante trabalho de conscientização de pais e professores, vou juntar a minha crítica:



A psicóloga anda trilhando um caminho fácil. Recentemente se especializou em fazer textos criticando práticas cotidianas de educação, em geral esquecendo de dar alternativas junto às críticas que encaminha (ou dando alternativas que pouco significam, usando por exemplo belas frases como "insistir nas boas lições" ou "Por outro lado, sabemos que a educação familiar está em declínio principalmente porque os pais, sujeitados a valores contemporâneos, notadamente o da manutenção da juventude e o da busca incessante da felicidade, mostram-se incertos quanto à necessidade de estabelecer uma relação de autoridade afetiva com os filhos.").

Pois essa semana, novamente faz um texto sobre um tema que exige uma discussão profunda, com a superficialidade de um terço de folha de Jornal. A autora critica o "cantinho do castigo" (o texto está abaixo).



Essencialmente a crítica pode ser resumida em "o cantinho do castigo" não devia ser usado. Ele funciona, somente com crianças pequenas, mas não é educação, e sim condicionamento (punição e recompensa). A autora diz que não é educação porque se a criança tivesse sido educada, não seria necessário usar mais a punição. É uma bela frase de efeito, mas não é bem verdade, já que os erros infantis não são únicos. É verdade que o certo é a criança não ter um comportamento porque sabe que ele é errado, e não por medo de uma punição, no entanto a ação cotidiana das pessoas é mais complexa do que as decisões racionais do cortex pré-frontal, como mostram a existência da obesidade, do vício no fumo, do crime passional, etc. Mesmo o código moral não é ferramenta simples, como deixa claro os experimentos de Navarrete. Não dá para atribuir tudo o que as pessoas fazem de errado (para os outros) a "falta de educação", até porque como mostraram Wilson,  Dawkins e outros, um pouco de comportamento de maximização do ganho individual em detrimento do ganho coletivo é literalmente parte "da natureza humana". 

Todos concordam que a guerra é errada, no entanto é cotidianamente travada por governos. 




Entendo e concordo que as medidas de condicionamento são limitadas e não são a única ferramenta que um pai ou uma escola podem ou devem usar. Inclusive concordo que certamente há exagero no uso desse tipo de medida, e uma crença elevada em seus resultados, ou o diretor dos SIMPSONS não teria sido criado com o nome SKINNER.

Mas se o texto levanta uma questão interessante, e tenta mostrar os limites da solução prática tão valorizada pela "SuperNanny", o próprio texto escorrega ao propor que isso nunca deve ser usado. Até Piaget falava da importância da autoridade ao discutir o estágio infantil da Heteronomia.

É o tipo de crítica que só faz quem discute educação longe da prática do dia a dia, a que pais e escola estão submetidos. Certamente, se uma criança de três anos apanha um enfeite de cristal na prateleira da loja e começa a brincar com ele, o pai pode se aproximar e debater calmamente com a criança que aquele objeto pertence a loja, é frágil, e não é brinquedo... pode mostrar razões lógicas e racionais para que a criança sozinha tome a decisão correta e devolva o enfeite. Certamente pode se mostrar disponível e ajudar. Pode desviar a atenção para outra coisa, há muitas soluções. E deve sim elogiar a criança se ela agir corretamente (Rosely Sayão parece não gostar de elogios também).  Por outro lado, se a criança não devolve o enfeite, e sentindo-se frustrada, o atira contra a cabeça da vendedora, começando a espernear e a gritar, como fica? O que recomenda a educadora? O que seria uma postura de autoridade afetiva nesse caso? De modo geral não há nada errado em colocar a criança de castigo, por um ou dois minutos (num canto da loja mesmo), até que se acalme e depois desse período explicar para a mesma que a atitude que ela tomou estava errada, pedindo que se desculpe com a vendedora. Acho um exagero forçar abraços ou beijos na vendedora. Ainda assim, se a criança não se acalma um minuto após ser posta de castigo, um abraço (do pai ou da mãe) pode realmente ajudar (mas um abraço afetivo logo após a atitude violenta não vai ajudar, momento é tudo).  Lembro que ainda vão ter de pagar o enfeite. Certamente a lição não acaba ai (e nesse ponto faço minha crítica à prática), certamente depois dessa situação a mãe pode explicar a criança que aquilo que ela sentiu antes é frustração, que é um sentimento que ela vai sentir muitas vezes, mas que na vida não podemos ter tudo o que queremos na hora em que queremos e que lidar com a frustração com gritos, manhã e violência não é produtivo. Essa é a hora para estar disponível, para educar e até para dar carinho. Certamente no futuro, quando a mãe se sentir frustrada por alguma outra razão e a filha estiver por perto, pode usar o exemplo para mostrar como lidar com a frustração de outras formas. Não adianta só agir na hora do chilique.

Ainda assim, há sim aprendizado decorrente do cantinho do castigo. Aprende-se que há regras e punição para quem as desobedece (afinal se a punição não servisse para nada, não haveria a cadeia, a multa de transito, a demissão por justa causa... ferramentas de controle é verdade, mas nem por isso totalmente dispensáveis). O cantinho do castigo, como diz a autora, vai parar de funcionar um dia (realmente não adianta colocar um adolescente no cantinho do castigo), mas a própria sociedade tem outras ferramentas punitivas que vão entrar no lugar. Um adolescente pode fazer algo que não agrade aos pais e cá entre nós, muitas vezes são os pais que estão errados e não o adolescente. Este é a meu ver o grande problema do cantinho do castigo e a grande lição que há no caso. Às vezes é você que está errado, e deveria ceder ao que pede seu filho.
Não é possível lidar com adolescentes usando apenas a autoridade, da mesma forma que se pode fazê-lo com crianças pequenas. Algumas vezes, quem precisa repensar as atitudes são os país e professores, e eu concordaria totalmente com a Rosely S. se ela tivesse criticado o "uso generalizado e único" da punição e do elogio, como ferramentes.  Por outro lado, é muito improvável que um adolescente faça algo que desagrade o grupo de amigos com quem anda (exatamente por temer a punição do grupo). Isso ocorre porque mesmo com adolescentes, a punição funciona.

Eu também sonho com um mundo em que cada homem, cada pessoa, respeite as regras do coletivo, respeite a si mesmo, e procure fazer do mundo um lugar melhor para todos, sem que exista a necessidade de punição ou castigo. Apenas não sei se esse mundo é possível, desconfio que não.


ROSELY SAYÃO
Cantinho do castigo
Deixar a criança num cantinho pensando pode até funcionar --mas só por um período e com os menores de seis anos
Eu tentei; eu juro que tentei, caro leitor, resistir à tentação de escrever a respeito do cantinho do castigo. Ah, como eu tentei. Mas o maldito cantinho me persegue.
Não há um dia em que, em uma busca de assuntos na internet, eu não me depare com artigos, blogs, reportagens com listas de recomendações aos pais para bem educar o filho, de acordo com a idade que ele tem, que não apresente a ideia do cantinho. Até mesmo de programas de televisão eu não consigo escapar: vira e mexe, lá está a história do cantinho.
Certamente todos conhecem essa estratégia chamada educativa, mas caso alguém tenha tido a sorte de nunca ter se deparado com ela, eu explico. Quando uma criança faz algo que não deveria ter feito, quando se descontrola, quando faz birra ou briga com o irmão, por exemplo, os pais --ou responsáveis, que podem até ser professores-- devem levar a criança até um canto, de preferência longe do convívio familiar, e deixar a criança lá por um tempo.
E por quanto tempo a criança deve lá ficar? Ah, depende da idade dela, dizem os adeptos de tal estratégia. Pode ser, por exemplo, um minuto para cada ano que a criança tem, com pequenas variações. E você acredita, leitor, que já há banquinhos em forma de ampulheta, com areia dentro, que demora cinco minutos para passar de um lado ao outro? Então: a estratégia faz tanto sucesso entre os pais que já mobilizou até o mercado de produtos.
Conheço muitas mães que adoram o cantinho. Elas são entusiasmadas assim com a estratégia porque ela funciona, dizem. Sim, funciona. Por um tempo funciona, principalmente com crianças que têm menos de seis anos. As mais indefesas. Experimenta colocar um adolescente no cantinho!
Funciona da mesma maneira que funciona ensinar um cão a atender comandos como "senta" e "fica", por exemplo. Em outras palavras, adestramento, condicionamento, controle funcionam. Por um tempo, reafirmo.
E quando a estratégia do cantinho vem acompanhada da palavra "pensamento"? O tal "cantinho do pensamento" deve levar a criança a pensar na bobagem que fez. Refletir a respeito de seu mau comportamento. Como uma criança pequena pode ter uma atitude reflexiva?
Pensando bem, deve ser divertido para a criança imaginar a areia descendo e passando pelo fino buraquinho do banquinho sobre o qual está sentada. Deve ser bom também ter tempo para pensar no que quiser, imaginar, lembrar. É... o cantinho tem lá sua utilidade boa para a criança!
Em resumo, os ensinamentos nessa linha afirmam que quando a criança se comporta bem, os pais devem elogiar; quando não, levá-la para o cantinho. Na linguagem da psicologia comportamental, elogio é o reforço positivo --que visa aumentar a incidência de um comportamento-- e o cantinho é o "time out", técnica que visa reduzir um comportamento indesejado.
As questões sobre as quais devemos refletir --nós, adultos, temos condição de fazer isso-- é se essas estratégias educam e respeitam a criança. Minha resposta para ambas as questões é não. O cantinho do castigo, ou do pensamento, é uma punição. E sabemos que punição faz sofrer, mas não ensina nada. Adestra, condiciona, controla. Por um tempo.
Mas, e depois, quando o cantinho não for mais aplicável? O que os mais novos terão aprendido com o uso dele? Essa deve ser a nossa questão quando ficarmos tentados a usar o cantinho.