18 agosto 2015

Carol e o conto de fadas


Breve explicação: Como tarefa da disciplina de história dos contos de fadas, do curso de Pedagogia, foi solicitado um conto de fadas. Fazia muito tempo que não escrevia um texto que não tivesse as quatro patas bem cravadas no chão. Foi divertido fazer esse, que agora compartilho.

Pobre Carol. A menina estava aflita ante o inexorável avanço do relógio. Encontrava-se diante de um grande desafio. Não era tarefa simples, como enfrentar monstros e dragões, segurando uma pequena espada élfica. Não era também tarefa realmente inimaginável, como dormir num esquife de vidro, cercada de homúnculos, por séculos a espera de um príncipe, de trajes estranhos e provável mau hálito. Não era finalmente um passeio, como cruzar mares e montanhas gélidas em busca de um cálice ou de uma lâmpada. Se bem que, metaforicamente, muito se aproximava de buscar uma lâmpada. Era um tanto mais complicado que tudo isso: era tarefa de casa. A professora havia deixado de lição, escrever um conto de fadas.


Sim, Carol encontrava-se diante do vazio, sentada em sua mesinha, com a tarde já acabando, a cata de ideias que preenchessem as páginas em branco e satisfizessem o sacrifício exigido pela mestra. Ela preferia o shopping com as amigas, mas era domingo, e em breve a noite teria tomado tudo, sua mãe a mandaria para a cama, com dentes escovados e um beijo de boa noite, selando o destino de aluna relapsa. As ideias porém não se deixavam apanhar facilmente, e Carol permanecia ali, já por tantos séculos quanto imaginava que duravam os feitiços de congelamento. A professora não imaginava a dificuldade que impusera. Deve ter considerado fácil pensar num conto de fadas. Há tantos por ai, com aranhas malvadas e espertos macacos na África, com Djinns vingativos, alabastro e gemas no Oriente, com donzelas cativas em largos castelos na Romênia, com bonecas e sabujos falantes no Brasil, com ratos velhos e cegos, com texugos, macacos mancos e belos cisnes, com tartarugas em violas e urubus em festa, entre tantos outros. Ignorava a professora que milhares de anos foram necessários para que tais histórias tomassem forma. Ignorava que essas estórias não estão ao alcance da mão, para serem escritas com prazos, correção e nota de entrega. Ignorava que aos treze, a infância era algo a ser evitado.   


Em seu desespero, Carol começou a vasculhar as gavetas da escrivaninha, que fora de sua avó, em busca de qualquer objeto que lhe desse uma dica. A criatividade é a mãe e a filha da ontologia, uma imagem redonda, uma bola de sabão ao contrário, que não explode, mas se forma do nada, onde nada havia, agora há, da desordem para a ordem, desafiando a entropia e deixando Platão, Planck e Maxwell boquiabertos. E não é que ali, entre papeis velhos, adesivos da Disney e Gloss, estava um velho anel, de pedra azul. Ao coloca-lo no dedo, o cômodo foi tomado de névoa e uma luz difusa, no canto do olho, uma figura materializou-se.


- Quem é você? – Perguntou a menina.
- Oras, não está evidente? O dia é do solstício, o momento é do crepúsculo, a neblina cobre os campos e o pó de pirlimpimpim brilha em minha algibeira.  Sou sua fada madrinha. – Ofendeu-se a translucida senhora.
- Minha fada madrinha? E vai me ajudar? E vai me salvar? – Inquiriu a pequena Carol.
- O que lhe aflige, núbil moça? Pelos andrajos que a juventude traja nos embalos de sábado à noite, presumo que não se trate de vestido para o baile? Atualmente, ninguém mais pede cocheiros, só taxi, e para isso há app´s muito mais eficientes. – Desabafou a fada.
- Bem, preciso compor um conto, uma “Storytelling”, com figuras, narrativa, e tudo o mais. Isso é para amanhã, e já se passou um tempão, sem que nada tivesse me ocorrido, exceto uma história boba envolvendo um encontro de Klingons e Jedi´s.
- “StoryTelling”? O mundo vai mesmo no descaminho. – Suspirou a fada.
Carol entregou as folhas em branco.     
 - Melhor se afastar - disse a fada - Palavras em si já tem poder, e palavras escritas são uma mágica ainda mais poderosa.
Dito isso agitou sua varinha, e um clarão tomou a sala. Expressões misteriosas saíram de sua boca. Coisas como “Focus, Ocus Pocus, Pipiti popiti bum, abracadabra, Pé de pato, mangalô três vezes, abre te sésamo, por favor, com licença... ” e muitas outras palavras mágicas. 
 - Pensamentos felizes. – Brincou a fada, olhando para a menina.
As letras começaram a preencher a página. O conto tomou forma. A lição estava pronta. O conto era incrível, lição de moral, muitas metáforas, metonímias, aliteração e manobras recursivas, personagens bem construídos e nada que tivesse sido plagiado da internet. Nota dez com certeza.
 - Evitei as onomatopeias, pois me irritam. - Disse a Fada. 
Carol não sabia o que eram onomatopeias, nem se importava, o que provavelmente foi um erro. Agradeceu a mítica figura e foi para a cama satisfeita com o trabalho. Ainda assim não pousou nos braços de Morfeu. Enquanto fingia dormir, e trocava mensagens com as amigas pelo celular, ouviu ao fundo o velho relógio da sala. Blém, Blém, Blém... 12 badaladas. Frio na barriga. Uma ideia terrível lhe ocorreu. Saiu da cama e foi verificar o trabalho. Aparentemente o mesmo não resistiu à onomatopeia. Estava tudo em branco. Voltara a ser o que fora antes, como a carruagem de Cinderela.
Apavorou-se, mas teve um estalo. Sentou-se no computador e descreveu o encontro com a fada, história que não havia desaparecido e rendeu uma nota sete. Serviu como um sapatinho de cristal.


 Fonte das imagens: Produzidas pelo autor.
Carlos Amorim Lavieri

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