19 junho 2008

Sobre cães e letras.

Essa semana, numa aula teste, um professor de português, puxa um texto do Cony sobre os cachorros. O texto era interessante, e discutia o dia que o veterinario foi a sua casa, e recomendou um tapete para o parto da cadela. O professor tinha certeza que havia ali uma interpretação política, já que editoriais não podem tratar de assuntos cotidianos como o nascimento de cachorros. Eu por outro lado havia vivido a emoção de ler o editorial do Cony, de 4 de Junho de 1995, falando de sua cadela Mila. Contei a ele que o autor inaugurou uma nova fase jornalística, ao contar da morte de sua cadela, porque para ele aquilo era a coisa mais importante do mundo.

Busquei a Net atrás do texto. Não achei no google... que se preocupa apenas com os blogs.. mas estava lá, no arquivo da folha. Então trouxe para vocês entenderem:

Autor: CARLOS HEITOR CONY
Editoria: OPINIÃO
Página: 1-2
Edição: Nacional JUN 4, 1995
Seção: RIO DE JANEIRO

Mila


Era pouco maior do que minha mão: por isso eu precisei das duas para segurá-la, 13 anos atrás. E, como eu não tinha muito jeito, encostei-a ao peito para que ela não caísse, simples apoio nessa primeira vez. Gostei desse calor e acredito que ela também. Dias depois, quando abriu os olhinhos, olhou-me fundamente: escolheu-me para dono. Pior: me aceitou.Foram 13 anos de chamego e encanto. Dormimos muitas noites juntos, a patinha dela em cima do meu ombro. Tinha medo de vento. O que fazer contra o vento?Amá-la _foi a resposta e também acredito que ela entendeu isso. Formamos, ela e eu, uma dupla dinâmica contra as ciladas que se armam. E também contra aqueles que não aceitam os que se amam. Quando meu pai morreu, ela se chegou, solidária, encostou sua cabeça em meus joelhos, não exigiu a minha festa, não queria disputar espaço, ser maior do que a minha tristeza.Tendo-a ao meu lado, eu perdi o medo do mundo e do vento. E ela teve uma ninhada de nove filhotes, escolhi uma de suas filhinhas e nossa dupla ficou mais dupla porque passamos a ser três. E passeávamos pela Lagoa, com a idade ela adquiriu ``fumos fidalgos", como o Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era uma lady, uma rainha de Sabá numa liteira inundada de sol e transportada por súditos imaginários.No sábado, olhando-me nos olhos, com seus olhinhos cor de mel, bonita como nunca, mais que amada de todas, deixou que eu a beijasse chorando. Talvez ela tenha compreendido. Bem maior do que minha mão, bem maior do que o meu peito, levei-a até o fim.Eu me considerava um profissional decente. Até semana passada, houvesse o que houvesse, procurava cumprir o dever dentro de minhas limitações. Não foi possível chegar ao gabinete onde, quietinha, deitada a meus pés, esperava que eu acabasse a crônica para ficar com ela.Até o último momento, olhou para mim, me escolhendo e me aceitando. Levei-a, em meus braços, apoiada em meu peito. Apertei-a com força, sabendo que ela seria maior do que a saudade.

Um comentário:

Anônimo disse...

É feio me fazer chorar enquanto estou no escritório...